terça-feira, 17 de abril de 2012

Ressurreição


“Estou limpo há três semanas.” Disse ele ao se levantar da cadeira, e todos no círculo o parabenizaram. Mas logo em seguida ,com uma entonação que talvez se assemelhasse de leve ao desespero, emendou, “Me sinto morto.” Então lhe disseram que era apenas uma fase, que logo tudo voltaria a ser como antes do vício. Ela sabia melhor. Sabia, por experiência própria e um ano de reuniões dos Narcóticos Anônimos, que o vazio nunca passaria.

Encontrou-o à frente da máquina de café no final da reunião e o encarou diretamente nos olhos cinzas como uma lápide desgastada. Vazios. “Não vai passar,” sua voz saiu fina e rouca; ele manteve-se sério. “As pessoas vão continuar tentando salvá-lo a qualquer custo, e você vai continuar a não sentir nada. Eu não sinto mais nada. Estou como morta há um ano.”

“Eu imaginei.” Respondeu impassível. A boca dela quase quis se curvar em um sorriso. Nenhum ‘sinto muito’, nenhuma palavra reconfortante. Ele não se importava, e ela também não se importava. Ele pegou o copo de café.  “Me acompanha até a saída.”

E assim fizeram; conversaram casualmente enquanto andavam pelo prédio. Eram estranhamente conectados  pela ausência de emoções, extremamente diferente  de qualquer relação que ela tivera no passado. Diferente de qualquer relação que tinha no presente. Ela não precisa dele e ele não precisa dela. Não sabe o nome dele e ele não sabe o dela.

Chegaram até a rua e se despediram com acenos fracos, como se não houvessem emoções e energia o suficiente nem para isso.  Andaram em direções opostas.

Ela pára subitamente em seu caminho e olha para trás. Ainda conseguia vê-lo por entre as pessoas que passavam pela calçada; não estava tão longe.

Consegue alcançá-lo logo, e apoia sua mão no ombro dele para chamar a atenção. “Ei. Na verdade, posso te acompanhar? Nós... temos muito o que conversar.” Ela diz, e as palavras soam absurdamente estranhas saindo de sua boca.

“É uma caminhada de quinze minutos,” ele responde, sem nem parar para olhá-la. Ela fita o chão, assumindo que isso queria dizer que ele não se importava de ter sua companhia.

De fato, após quinze minutos de quase-silêncio, eles estão lá. É um prédio simples, mas bem conservado, e que muito se assemelha àquele onde ela morava.

Ele a beija em frente à porta de seu apartamento.

Em choque, ela percebe-se sentir.  


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Conto escrito freneticamente há mais ou menos um ano atrás, em uma aula de redação.

Um comentário:

  1. Gostei da abordagem :< Admito que me identifiquei com essa inexistência de tudo, esse vazio que devora a tudo e a todos. Não sei o porquê, mas o parágrafo em que os dois caminhavam juntos, me recordou muito sinistramente a cena em que Edward Norton e Helena Bonham caminham perto do velho apartamento dele no filme Clube da Luta.
    Esse vazio aí pareceu-me até mais vazio que normalmente, mais cinza. Fora o final feliz, me identifiquei escrotamente com isso. Adorei o texto (:

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